Eu sei, já passamos da metade de janeiro e o indicado é que os contos de natal saiam até dia 22 de dezembro, no máximo. Não venho através dessa bancar a alternativa rebelde mas busco sim cumprir com promessas velhas.
Era quente, era final de semestre e provando que o que é ruim sempre pode piorar, uma amiga me liga e diz que tem um trabalho bom para as férias (férias dela, eu ainda tinha uma defesa a exercer) e eu, mesmo sabendo do quão caro isso poderia sair, resolvi aceitar. É sempre bom testar nossos limites.
O trabalho era simples: sorrir, dar boa tarde e oferecer balas às crianças... em poucos dias eu tinha me tornado a assistente do papai Noel e era uma das responsáveis em manter a paz e os chifres da renas do bom velhinho.
UMA BREVE DESCRIÇÃO DO INFERNO
Papai Noel tinha uma casa no Shopping;
Era grande, bonita para alguns e mal acabada para outros;
Possuía muitas renas que as crianças insistiam em tentar lhe arrancar os chifres e
Por último, mas não menos importante, havia também uma fábrica de biscoitos (natalinos É CLARO).
Em resumo era o inferno na Terra.
A casa do papai Noel, apesar de todo o belo clima natalino, fervia. Para muitos ela não passava de uma jogada política, para outros uma jogada de marketing e para tantos outros (e por que não dizer? a maioria) pouco isso importava.
Tentei julgar inicialmente quais eram as más intenções que envolviam o empreendimento, mas cansada de tanto procurar resolvi que somente o tempo iria me dizer. Só não poderia imaginar que fedia tanto.
OS DONOS DA BOLA
A Rede de Lojas Koerich;
A AFLOV (Associação Florianopolitana de Voluntariado)
e só.
Contextualização: Florianópolis tem uma Praça tradicional chamada XV. Lá existe também a Câmara de Vereadores, que durante o final de ano costuma abrigar a Casa do Bom Velhinho. Opa! Costumava! Afinal em 2006 um grupo de cadeirantes não pôde acessar o segundo andar da mansão vermelha e verde e pediu uma solução para que a precária acessibilidade fosse revista. Como já é de praxe nas terras tupiniquins, a solução veio a cavalo: não haveria Casa do Papai Noel em 2007. Simples assim.
Eis que entra o bom velhinho e não estou falando do Papai Noel e seus milagres. O dono das lojas Koerich, inconformado com a situação diz que bancará a Casa do Papai Noel e ela será no Beira Mar Shopping, com ar condicionado e seguranças 24 horas por dia. Solicita apenas um favor, que a Primeira Dama de cidade, disponibilize a tradicional fábrica de biscoitos natalinos, afinal ela era um dos grandes sucessos da Casa localizada na Praça XV.
Seu Antônio pede, Seu Antônio é atendido. A AFLOV (já citada anteriormente) se equipa e leva a fábrica de biscoitos ao Shopping. Além de produzir os biscoitos a associação (assim como a Primeira Dama) ficaram incumbidas de distribuir ingressos para pessoas impossibilitadas de pagar os dois reais normalmente cobrados para se entrar na casa, estes eram chamados de Ingresso Social.
Era festa, era 30 de novembro de 2007 e seria o primeiro dia da Casa do Papai Noel no Shopping Beira Mar. Os biscoitos assavam e as assistentes do Papai Noel distribuíam Sete Belo para os visitantes. Não será preciso dizer que toda essa alegria não durou muito.
Duas senhoras voluntárias eram responsáveis em verificar se haveria a necessidade de deixar pessoas entrarem na casa sem pagar. O método era simples, se houvesse boa vontade no momento elas iriam avaliar a aparência do sujeito e docemente lhe perguntavam onde essa pessoa morava (ato considerado por muitos, uma validação sobre um possível voto em 2008 para a prefeitura de Florianópolis). Ao menos era como tudo acontecia no horário em que eu trabalhava.
Nunca entendi o porquê da necessidade de duas pessoas para executarem esse trabalho. Tudo o que via eram duas senhoras contando sobre suas últimas compras no Shopping e atrapalhando a saída dos visitantes (a entrada e a saída da casa eram ao lado uma da outra).
Na prática a teoria é outra, então o que acabava acontecendo eram familiares ganhando ingressos sociais para passear pela casa, o que resultou num apelido para os ingressos, que passei a chamar de ingressos social-ite. Se questionadas sobre a distribuição dos ingressos, elas simplesmente davam de ombros, certas de que nada irá afetá-las.
Um fator importante: os dois reais cobrados na entrada da casa eram para compra de brinquedos para serem distribuídos em comunidades carentes (novamente os mais maldosos diziam que isso também era para a compra de votos nas próximas eleições). Perceba que as voluntárias, que sempre se dizem tão preocupadas com as crianças, não julgavam necessária a doação dos dois reais de seus familiares.
O caso das bonecas negras.
Antes de a casa ser transferida para o Shopping não eram cobrados dois reais para a entrada e sim se pedia um brinquedo. Você trazia o brinquedo e visitava a casa. Como algumas pessoas estavam já acostumadas com a tradição, quando alguém aparecia com algum na porta de entrada, tínhamos a liberdade de deixar o visitante entrar sem o custo dos dois reais. Os brinquedos foram colocados no cenário da Oficina do Papai Noel e logo se transformaram numa grande montanha, cheia de boa vontade alheia e futura diversão e dignidade para aqueles que não poderiam pagar por um presente para os filhos no Natal. Ou não.
Nessa montanha, havia duas bonecas grandes e negras. Foram doadas por um senhor que as levou com muito carinho numa tarde ensolarada. Não demorou muito e os brinquedos de preços um tanto mais elevados que os que costumavam parar ali chamaram a atenção, a atenção das voluntárias. Elas disseram que suas netas eram loucas por bonecas negras e que estas eram objetos raros no mercado. Foi proposta a elas (por uma das dirigentes da AFLOV) que elas pudessem levar as bonecas para suas netas desde que elas trouxessem um brinquedo equivalente. Elas resmungaram e disseram que no mercado, uma equivalente custava 140 reais e que isso era injusto (?!). Tanto fizeram que cada uma acabou com uma das bonecas negras e cada uma delas foi trocadas por três bonecas. Duvido que alguma tenha custado mais de 10 reais. O argumento era simples: assim mais meninas poderiam se divertir e não só uma com uma boneca grande.
O caso do Papel de Presente.
Outro senhor levou inúmeros presentes embrulhados para as crianças carentes e os deixo na grande montanha. Ficamos entusiasmadas com a boa vontade dele e comentamos ainda sobre como deve ser importante um embrulho para uma dessas crianças. Os embrulhos foram todos arrancados pelas voluntárias com a desculpa de que seria complicado saber o que entregar para cada criança, apesar de cada embrulho ter escrito em cima “menino” ou “menina”. Não é preciso ser genial para saber as intenções delas.
O caso do Livro Ponto.
Segundo o site www.vemconcursos.com o trabalho voluntário, segundo a lei, não gera obrigações trabalhistas e previdenciárias e se constitui em “atividade não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza ou entidade privada sem fins lucrativos, que tenham objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade”.
Nesses casos, necessário que seja estudada a situação concreta e a intenção das partes, a fim de se verificar se o tipo especial de trabalho não está escondendo verdadeiro vínculo empregatício. Afinal, num país como o nosso, são poucas as pessoas que, possuindo meios para sua própria subsistência, podem se dar ao luxo de exercerem filantropia em todo o seu tempo útil.
As senhoras da AFLOV cumpriam horário, assinavam livro ponto, recebiam Vale Refeição e Vale Transporte, mas usavam um colete escrito “voluntário”.
O caso “sem fins lucrativos, com dinheiro gerado com o próprio trabalho”.
Os voluntários, por assim dizer, gostavam de enfatizar aos compradores dos biscoitos que esse dinheiro era muito importante para eles, afinal era com isso que eles eram mantidos. Exceto por um pequeno detalhe, tudo isso teria passado por mim sem causar grandes problemas: no coquetel final, a primeira dama agradece a prefeitura pelos 85.000 reais dados a AFLOV e que isso foi muito importante, já que os custos totais eram de 174.000 reais. Não sei dizer se essa receita se refere à um mês ou uma década, ela não nos deus esse precioso detalhe... mas percebo que praticamente metade dessa bagunça dita solidária somos nós que pagamos, no mínimo.
Existem muitos outros fatos que poderiam ser aqui descritos, mas já venho me alongando muito mais que o planejado. Peço que reflitam sobre como andam nossas coisas e como pretendemos melhorar o mundo se toda essa baderna já se mostra estabilizada.
Se não há muito que fazer, busco ao mínimo repassar um pouco dessas informações para quem não as pode imaginar. Quando for doar algo, pense e repense: você pode estar compactuando com pessoas de má índole, tudo isso só para ser um pouco solidário, afinal é natal.
2 comentários:
Amei.
Só faltou a parte de contar pro papai noel. [pq a maika, não pode deixar de avacalhar um pouquinho]
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